2.10.09

Querida M.,

não se trata de carregar o mundo nas costas, muito menos de me achar o Messias da comunidade. Quando falei que era apenas um peso, talvez tenha me expressado mal. Não me sinto menor do que as pessoas com as quais divergi nos últimos dias. Nem minha auto-estima anda tão baixa assim. Apenas percebi o quanto almejamos caminhos diferentes. Talvez isso é que tenha doído mais. Apesar de falar mal das pessoas que ali chegaram, tive que reconhecer que também caí lá de pára-quedas. Desta forma, todos nós fomos oportunistas. Fui convidado e cheguei lá apaixonado, cheio de idéias, com muita empolgação. Mas a realidade é outra. Percebi que eu era a voz destoante daquele lugar, por isso decidi sair. É preciso saber reconhecer quando se perde uma batalha. Mas deixemos isso de lado, por enquanto. Ainda há muito para eu refletir sobre esse últimos anos.
Quanto ao Roberto, não me surpreende tanto ele ter se tornado evangélico. Sempre o achei mal-resolvido consigo mesmo e não me surpreende se daqui a pouco ele decida mudar de religião. Tenho pena dele, principalmente por causa da forma que o pai o tratava. Mas acho que faltava nele um pouco de coragem para lidar com isso, aceitar que sua relação com o pai não era boa e pronto. Passar anos e anos procurando a aceitação de uma pessoa não faz bem à ninguém. Da última vez que estive com ele, falávamos sobre isso. Ele ficou chateado comigo quando eu disse que boa parte do sofrimento que sentia era culpa dele mesmo. Depois me ligou para dizer que achava que eu tinha razão e que ligaria um "foda-se" na vida dele. Mas acho que a proposta de uma salvação pareceu mais tentadora. Respeito sua decisão, mas se ele me perguntar, direi que não concordo. A gente acabou se distanciando um pouco, mas ainda guardo um carinho muito grande por ele. Aliás, eu que acabei me distanciando de muita gente.
Mas vou ter a oportunidade de rever algumas pessoas. Estou voltando para o Ceará. Vou passar um tempo na fazenda da minha tia Sílvia. Lembra que já falei dela? A fazenda é ali pertinho de Itapipoca. Vou cuidar das coisas de lá enquanto ela vai resolver uns assuntos em Fortaleza. Gosto muito daquela fazenda. Foi no açude de lá, ainda criança, que aprendi a nadar. Bons tempos.
Estou de partida para lá amanhã. A viagem vai ser longa. Quando quiser me escrever, entregue a carta ao meu primo Felipe. Ele me entregará quando for à fazenda. Fiquei feliz e tranquilo ao saber que você melhorou. Que bom. Sei que você quer voltar ao trabalho mas pegue leve no começo, não vá trabalhar demais. Descanse e se divirta muito. Isto é essencial.
Beijos,
M.P.

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