Primeiro: que palhaçada é essa de "Sou só um peso. Não sirvo pra nada."? Ao ler isso, meus óculos saltaram longe de espanto que alguém como você tenha coragem de se apontar desta maneira. Absurdo!
Compreendo, apesar de parecer que não, as dificuldades pela quais vem passando. Levar o mundo nas costas é tarefa que, talvez, nem Sísifo fosse capaz de cumprir. Mas a questão é: como um homem tão bem arquitetado em seus pensamentos, pode cair em tal armadilha moral? Crer que a comunidade depende unicamente de seus ombros pra carrega la. Continue assim e não passará de um cabide universal. Para que uma comunidade funcione, é preciso que haja o sentimento de responsabilidade coletiva, o sentimento pulsante de que se está caminhando para o mesmo lado, construindo as paredes da mesma moradia. Inútil espernear e choramingar sozinho.
Eu expulsaria os membros incovenientes sob certeiros sopapos verbais. Vermes da impotência, da incredulidade e do vazio, agentes da mediocridade, do populismo e da imagem! Eu os esmagaria! Ainda que a anarquia seja impossível, meu amigo, eu não suportaria ver a displicência de terceiros esmaecendo as cores de meus planos. Lute com coragem! O amor e a beleza também se erguem sobre os punhos de um homem! Não há comiseração que lhes sirva. Não, não, não! É preciso abrir caminhos de palavras e deixar que o verbo seja a guilhotina dos parasitas ideológicos. É preciso arregaçar as hipocresias e garantir que essa sedução escrota do "amor livre", do "vamos todos juntos, enquanto espero sentado" seja repudiada pelo pensamento crítico.
Ah, meu querido amigo... Desconfio, no entanto, que esta nem seja tua real questão. Anseias abandonar? Faça! Role novamente a tua pedra morro acima e erga o sol do novo dia.
Eu estou bem, engordei um pouco, já caminho com tranquilidade e firmeza. Foi triste ter que dispensar a tal enfermeira, mas assim foi feito. Espero retomar os trabalhos na universidade daqui a poucas semanas, já não suporto ficar trancafiada. Me sinto Bárbara de Alencar, em seu claustro. Olhando o mar por entre frestras, sentindo os resquícios da manhã, sem, no entanto, ser capaz de toca la.
Tão logo este carcereiro abandonará os portões abertos e, com saúde, poderei pisar a areia flácida da praia.
Roberto veio me ver. Acredita que se tornou evangélico? Arrependido, resignado pelos anos de adoração ao diabo, pela luxúria, pelos vícios. Busca a cura, após a morte de seu pai, para o homossexualismo que, segundo ele, é o mal que o cegou nesses anos todos. Juro que assisti, incrédula, ele desfolhar palavra por palavra a Bíblia, desfiando pacientemente o pensamento judaico -cristão da culpa, da resiliência e da impotência. Diante da cena, que eu adjetivaria como bizarra, pensei mesmo que ele esquizofrenizara. Lembra como ele sofria por que o pai o rejeitava? Bebia e chorava horrores.
Nenhum problema quanto a opção religiosa das pessoas, mas ao ouvir que ele se atacou até minha casa para me salvar, apossou -se de mim uma revolta incontrolável. Avancei sobre ele! Mas antes de desfigurar lhe a cara, pensei: não me custará nada ser salva. Se meu amigo precisa me salvar, ainda que eu, de nenhuma maneira esteja em perigo, nem mesmo disposta ao arrependimento, laisser faire.
Ele rezou, chorou baixinho por alguns minutos e foi embora. Temo por ele.
Paro aqui...
Abraços.
M.
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