24.11.09

Então não há acordo?


Querido, receio que nossos tempos de devaneios acabaram. As crises voltaram. A vida real também. Essa semana senti dores de cabeça e, num acesso de fúria destruí parte do meu quarto. Desloquei um dedo, quebrei a porta e alguns bibelôs antigos. Não me supunha com tamanha força.
Não tenho dormido e quando o consigo, acordo sufocada ou dolorida, como se dormir fosse uma guerra milenar, emagreci alguns quilos. O apetite também deu de me abandonar.
Mamãe vem pensando em me mandar para uma casa de repouso, peço que me ajude. Fale com ela por que eu... Eu?
Eu estou desfalecendo.

20.11.09

Há vida nas palavras. E essas palavras são o limite do sentimento e do querer sentir. Eu não sei para quem escrevemos. Creio que para nós mesmos. Também não sei se isso me basta: saber-se vivo.
Onde estamos? quem somos? Aonde vamos? São dúvidas que caem muito bem aos escritores destas cartas da mesma forma que aos que as escrevem. Subverter tantas vidas em prol da compartilha de tempo, risos e medos que nem sabemos quais são seria aceitar o eterno retorno?
Não há acordos implícitos. Apenas dançamos a mesma música, percebendo aos poucos para onde o outro se movimenta, na dúvida se somos guias ou somos guiados. Se a música acaba, continuaremos dançando?
O eterno retorno nos deixa a possibilidade de tentar ao máximo... a linearidade, sabemos, tem um fim. Toda escolha tem um peso. Mas qual será?

12.11.09

Certas vezes me dá um aguneio, como se meu coração tivesse pressa, mas não... E quando vagueio pela cidade, atrás das janelas dos autos me lembro de você. Me questiono se deveríamos nos ver ou se o contato humano e quente provocaria resfriamento nestas cartas calorosas. É bom ser atemporal... Não ter tantas datas, tanta realidade.
Quanto é possível se comunicar sem som? Pensar em alguém que chama, atentar para as cores ímpares nas pessoas. Tudo é sintonia? Como se o mundo fosse milhares de pequenas frequências comunicacionais... Palavras, pequenas e grandes, feias e incríveis, navegando pelo mar dialógico, atravessando as pessoas, símbolos e energia. Reverberamos as vibrações que lançamos. Remontam a realidade em acordos implícitos, em consensos ditatoriais.
Troca Delleuze por mim? Eu não trocaria...
Mas a questão é: para quem escrevemos? Eu escrevo para ti e lanço em ti minha vibração? Ou há mais? Considero, portanto, que há vida nas palavras, nas minhas, nas tuas, nas palavras do mundo. Compreendes?
Ser o que deve ser feito de si; árdua tarefa para os neuróticos. Na sua intensa auto vigília, ser grande é privilégio. Dentro de nossos claustros, arquejamos delírios de grandeza ou um só coração ardendo no mesmo ritmo... Assim como o daquele que escreve.
Pode ser que não suportemos chegar onde queremos, pode ser que estar incompleto sempre, arrastando -se sempre para fora das frustrações seja uma sina que se alimenta de seus restos. Uma cobra mordendo o rabo. Círculos, elipse, o mesmo ponto. E pronto.

4.11.09

Querida M.,

Entendo, sim. As surpresas e os prazeres que suas cartas me causam são motivos para horas e horas de reflexão sobre mim mesmo. É nestas cartas que vou diluindo minha vida, minha experiência, minha história, meus sentimentos, meus segredos... Um prazer egoísta (e qual não é?). Nas palavras ficam toda a entrega para dar o primeiro passo ou voltar. Mas nunca fica tudo. Por isso, desculpe-me por lhe causar impaciência ou ansiedade quando não lhe respondo logo. Se o faço, não é por desmerecimento, mas por procurar as palavras que possam ser mais do que palavras. Escrever, para mim, é muito difícil. É quase um sofrimento. É o momento da escolha que pesa, mas não dói. A ausência desse peso é que me faz sofrer. Ser livre é escolher mesmo aquilo que não nos agrada. É escolher não escolher. Viver uma liberdade fútil e descompromissada, fazendo o que bem quer na hora que quiser, nos faz despir a vida de sentidos. E o que seria de nós, então, tiranos? A liberdade é um plebiscito diário. Assim, não acho que nós tenhamos uma função na vida. Não acredito em destino. Acredito que temos um aos outro e temos que aprender a lidar com isso... E mais... acredito que estou bastante confuso com isso tudo. Brincadeira à parte, não desista da sua música. Tão bonita será, com certeza. Apenas deixe seu medo de lado e faça o que tem de fazer que a verdade se torna clara. Seja na sua carta, seja na sua música, seja na sua vida...

Sinto saudades suas e de falar essas baboseiras de pés pro alto, deitado no chão e todo metido a besta com você do meu lado. Ontem eu liguei para o Roberto. Ele está realmente procurando se curar dos males da vida. Seu tom de voz parecia animado, mas meio perdido. Convidei-o para passar uns dias aqui comigo, mas não creio que venha. E você, já voltou a trabalhar?

Tenho muito a escrever pra você, mas vou guardar um pouco pra depois. Vou ajudar no preparo da cajuína junto com seu Fernando e D. Antônia.

PS: Vagabundo não é fácil.

Um cheiro grande.