14.10.09

Num tempo, fui confortavelmente jovem e tudo era colorido. Os dias, as pessoas, as folhas das árvores em que me prostrei, Me perdi, com a vista embassada pela covardia. Meus temor nunca foi de ser incapaz, mas de me tornar verdadeiramente grande e a responsabilidade que isso implica. Dói... Toda escolha dói.Só temos que escolher as dores que melhor nos cabem.
Então, o tempo passou. E me tornei algo que não cumpriu sua função, que debandou para a dúvida. É preciso fortalecer para comunicar claramente as coisas. Eu preciso não temer alguns embates para fugir daqueles que realmente me atormentam.
Preciso sair daqui.
Por que não posso mais me comunicar dessa maneira tão vulgar, quero clareza produtiva. Eu quero o amor próprio do encontro que flui. Preciso me tonificar, me arquear sobre o mundo...
Eu sou a mentira, lutando para ser mais do que simples lenda.
Você entende?
Você não é aquilo que acredita, mas o que faz com aquilo que acredita... Eu fiz nada. A minha fé, frívola, vulgar, inquieta... Deslisou... e eu esqueci como era aquecer o coração com fé. Ter o peito acalentado pelo sentimento de que pode ser... pode ser que dê certo.
Eu não estou mais entendendo.
Para onde vai?
Ah, meu querido...
Seremos mais do que meras palavras?
Inclusive aqui, nessas cartas?
O que é nosso nas palavras?



Não pude esperar resposta.

Agora espero.

7.10.09

Meu querido amigo,
Há tempos de se compreender as coisas, construímos com suor e palavras intanguidas, todas as certezas. Modelamos suas cores e damos vida às lembranças, deixamos que elas ordenem. Mas segue sempre a atribulação. As mulheres precisam ser cíclicas, elas são o ponto de intercecção entre a vida e a morte. O parto.
Você entende, eu acredito, meus motivos para não ter parido. Às vezes eu não entendo muito bem... Nunca quis me prender, até que algo se rompeu. E eu estou flutuando na história.




Não me diga que achou que eu estabeleceria padrão?




Hoje eu fui pro mar e decidi não morrer; mas arder. Deixei no silício, o silêncio. Com os pés bem cravados na areia, constatei o sal e o sol deste dia "cinzazul". Que mais importa, além do que, àvidos, constatamos vivos? Fui afogar minhas pragas, enterrar na sílica o cilício de meus segredos.




Tentei escrever uma música. Mas sempre perco o passo, fica tudo entruncado. Não sou Arnaldo Antunes, então... Fico feliz de te escrever, dançamos assim.

Dica desta carta: A excêntrica família de Antonia.


Um enorme beijo!

2.10.09

Que bom, agora te mandarei bilhetes.

Querida M.,

não se trata de carregar o mundo nas costas, muito menos de me achar o Messias da comunidade. Quando falei que era apenas um peso, talvez tenha me expressado mal. Não me sinto menor do que as pessoas com as quais divergi nos últimos dias. Nem minha auto-estima anda tão baixa assim. Apenas percebi o quanto almejamos caminhos diferentes. Talvez isso é que tenha doído mais. Apesar de falar mal das pessoas que ali chegaram, tive que reconhecer que também caí lá de pára-quedas. Desta forma, todos nós fomos oportunistas. Fui convidado e cheguei lá apaixonado, cheio de idéias, com muita empolgação. Mas a realidade é outra. Percebi que eu era a voz destoante daquele lugar, por isso decidi sair. É preciso saber reconhecer quando se perde uma batalha. Mas deixemos isso de lado, por enquanto. Ainda há muito para eu refletir sobre esse últimos anos.
Quanto ao Roberto, não me surpreende tanto ele ter se tornado evangélico. Sempre o achei mal-resolvido consigo mesmo e não me surpreende se daqui a pouco ele decida mudar de religião. Tenho pena dele, principalmente por causa da forma que o pai o tratava. Mas acho que faltava nele um pouco de coragem para lidar com isso, aceitar que sua relação com o pai não era boa e pronto. Passar anos e anos procurando a aceitação de uma pessoa não faz bem à ninguém. Da última vez que estive com ele, falávamos sobre isso. Ele ficou chateado comigo quando eu disse que boa parte do sofrimento que sentia era culpa dele mesmo. Depois me ligou para dizer que achava que eu tinha razão e que ligaria um "foda-se" na vida dele. Mas acho que a proposta de uma salvação pareceu mais tentadora. Respeito sua decisão, mas se ele me perguntar, direi que não concordo. A gente acabou se distanciando um pouco, mas ainda guardo um carinho muito grande por ele. Aliás, eu que acabei me distanciando de muita gente.
Mas vou ter a oportunidade de rever algumas pessoas. Estou voltando para o Ceará. Vou passar um tempo na fazenda da minha tia Sílvia. Lembra que já falei dela? A fazenda é ali pertinho de Itapipoca. Vou cuidar das coisas de lá enquanto ela vai resolver uns assuntos em Fortaleza. Gosto muito daquela fazenda. Foi no açude de lá, ainda criança, que aprendi a nadar. Bons tempos.
Estou de partida para lá amanhã. A viagem vai ser longa. Quando quiser me escrever, entregue a carta ao meu primo Felipe. Ele me entregará quando for à fazenda. Fiquei feliz e tranquilo ao saber que você melhorou. Que bom. Sei que você quer voltar ao trabalho mas pegue leve no começo, não vá trabalhar demais. Descanse e se divirta muito. Isto é essencial.
Beijos,
M.P.