Esta foi uma noite importante. Quase me entreguei às afecções que me tomam. Por isso, escrevo. Meu corpo tem, aos poucos, denunciado seu padecimento e me entedia pensar nos tratamentos e no vocabulário rebuscado e vazio da Medicina. Meus joelhos ainda dóem, sinto a pressão craniana aumentar. Não é fantástico?
Eu vou morrer. Assim como esse quarto, as ruas, os flamboyantts, os carros, as falésias, tudo há de se dissipar, envelhecer, deteriorar. Menos o mar. Em tempos de mais saúde, punha me frente ao mar e imaginava que ele sim seria nosso ancestral legítimo. Só o mar é eterno. Quero voltar pra casa e tomar um banho em águas salinas. Voltar pra casa.
Pra quê a dor? Eu penso... E me nego a dotar explicações vagas, tenebrosas e cristãs. Esse é, enfim, o preço que preciso pagar, em vida, por essa mesma vida que se finda? Eu teria sido ainda mais pagã, se quer saber. Me queixo, unicamente, de não ter ido mais longe, enlouquecido mais, amado mais homens. Afinal, meu maior medo, a velhice, se extingue nesta cama.
Ontem, enquanto a enfermeira reposicionava os travesseiros e eu resmungava incompreensivelmente, pensei: Por que não? Por que não morrer? Qual é o problema? Temos milhões de pessoas em todo o mundo, uma superpopulação que se divide entre os consumistas e os miseráveis. Eu deveria mesmo passar por isso com coragem e acreditar que estou vagando espaço precioso no mundo. Eu me mataria, se conseguisse me levantar. O melhor analgésico, o melhor. Ridículo esse apego animalesco de preservação da espécie.
Preciso findar essa carta aqui. Hora da medicação.
Muita saudade, querido.
M.
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2 comentários:
eis ai uma das maiores sabedorias da vida. uma vez percebida sua finitude, busca-se formas de se eternizar - a criação é mesmo algo sublime. portanto, a destruição é inevitavel.
não é a toa que a matéria padece...
A morte nada mais é que a continuação da vida. Afinal, tudo na vida se continua.
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