Quero que me desculpe pela demora da resposta. Ando trabalhando tempo demais... Mas até que acredito que isso me faz bem, um pouco de alienação me ajuda a estar viva. Lucidez demais pode deixar alguém louco. Mas cá estou, sentada, cansada, estanque, diante do papel e da minha sala vazia. Vazios todos nós, só não a folha que escrevo. Ainda pensei em mandar te uma folha vazia, mas será que me entenderia? Não sei... Tanta demora em responder e te mandar somente um aborto, uma folha lisa, clara e sozinha, sem letras, nem desenhos! Absurdo! Então, animei me, em consideração a ti.
Olhe, percebo o romantismo de se ler à lamparina, mas descarto isso pra mim. Já tenho problemas sérios demais para ainda querer uma visão comprometida. Preciso de eletricidade, meu caro! Sem ela, nada funciona! Nem eu... Contudo, percebo todo essa sensação de vida poética, romântica talvez. Desde a simplicidade das pessoas até as mãos "trabalhadoras". Por que quer abandonar também o trabalho racional, apegando se assim à vida mais da ordem dos sentidos? É como se constatasse que as mãos são mais transformadoras do que as idéias, ideologias. Não faz sentido... Ou faz, eu que não o alcanço.
Sonhei contigo. Mas não quero contar o que foi, mas preciso por que você iria mesmo tentar me convencer a fazer isso. Poupo nosso trabalho. Estávamos em um lugar azul e éramos tão alvos, impressionante! Tínhamos um brilho perolado, brilho de coisas noturnas. Tantos tons de azul montavam as coisas, incertas e plásticas. Moviam se como se fossem fluidas, montando um rastro de nossos movimentos. Até que nos olhamos e vimos, estávamos num quadro, éramos anjos pintados numa tela azul. Do centro de nós começa a brotar tinha vermelha, borrando tudo, trazendo o roxo, o lilás e o vermelho vivo (ou morto). Chorávamos em silêncio, meu amigo. Tanta falta tu me faz. Depois do sonho entendi por que somos tão ligados, morremos do mesmo mal.
Estou numa fase...Como direi? Faltam termos pra ser específica, exata... Pra ir ao ponto preciso da questão... Mas... Creio que seja, assim como as reticências... Uma fase de pausa... Falta algo... Um ponto final, talvez.
31.3.06
21.3.06
Querida M.J.,
Como vai? Espero que toda essa urbanicidade não lhe cause tantos problemas como me causaram. Imagino que devem estar espalhando por aí que eu sou louco, não? O fato é que eu não suportava mais toda essa pressão na qual você quase encontra um sentido pra sua vida. Ou será que encontra? Você deveria vir qualquer dia por aqui. Pensei que eu demoraria a me adaptar, mas as pessoas da região são muito gentis e acolhedoras, com exceção de um ou outro. Novos hábitos, novos costumes... isso renova nossa alma. Falando nisso, escrevo à luz de lamparina. Aqui tem eletricidade, mas é corriqueiro haver quedas de energia. Algumas vezes a falta de luz dura dois ou três dias.
Estou escrevendo com muito cansaço. Já estou com as mãos calejadas de tanto trabalhar. O engraçado é que ver a mão assim está me dando uma nova idéia do que seja trabalho. Estou vendo o que estou fazendo ali, naquele momento, presenciando uma transformação. A relação da gente com a terra e com os outros homens muda por causa disso. A gente cria um vínculo muito forte com os dois. É totalmente diferente das teorias que eu costumava ler e "pôr em prática". Na roça, a gente trabalha da seguinte forma: em uma parte a gente cultiva feijão, na outra parte, cultiva milho. Com o passar do tempo, a gente inverte. São sete homens trabalhando comigo. Eles não entendem por que um "doutor" veio trabalhar aqui. Quem sabe um dia todos nós possamos entender?
Bem, termino por aqui esperando novamente notícias suas. Quero que me fale de todos, já estou ansioso.
Beijos.
Estou escrevendo com muito cansaço. Já estou com as mãos calejadas de tanto trabalhar. O engraçado é que ver a mão assim está me dando uma nova idéia do que seja trabalho. Estou vendo o que estou fazendo ali, naquele momento, presenciando uma transformação. A relação da gente com a terra e com os outros homens muda por causa disso. A gente cria um vínculo muito forte com os dois. É totalmente diferente das teorias que eu costumava ler e "pôr em prática". Na roça, a gente trabalha da seguinte forma: em uma parte a gente cultiva feijão, na outra parte, cultiva milho. Com o passar do tempo, a gente inverte. São sete homens trabalhando comigo. Eles não entendem por que um "doutor" veio trabalhar aqui. Quem sabe um dia todos nós possamos entender?
Bem, termino por aqui esperando novamente notícias suas. Quero que me fale de todos, já estou ansioso.
Beijos.
10.3.06
Querido M.P.,
Não vou mentir que quase não acreditei quando soube que havia ido embora, mas eu quase não acredito em quase tudo. Por que tão repentinamente? Por que tanta fuga? Mas fico feliz com o que diz a carta, com a ocupação da mente com a ocupação do corpo.
Eu não consigo mais fugir do dióxido de carbono, definitivamente. E acho mesmo que é disso que vou morrer, essa minha urbanicidade. Fumantes compulsivos, insones não combinam muito com pássaros e flores, sinto como se tivesse nascido do concreto, do cinza, do asfalto, filha dos prédios e do caos. Tenho desejos de uma velhice mais bucólica, mas ainda têm que acontecer milhões de desprendimentos, a morte de algumas paixões (pela noite, pela morte de todos os dias, pelo barulho, pelos movimentos acadêmicos...). Como viver sem a produção intelectual e sem a pressão? Rs. Sinto me fazendo uma apologia à angústia da contemporaneidade, mas é só um pouco de verdade, entre tantas mentiras que contamos e nas quais fingimos acreditar.
Por causa dessa dualidade, verdade - mentira que é tão complicado (sempre) te escrever. Por que mentir para ti seria uma tentativa de me enganar e eu não suporto essa idéia. Frente a ti não nada há além de uma mulher, não posso montar personagens, nem estórias, nem cores, nem fadas. Não há lúdico (ou tudo é tão fantasioso que na minha loucura psicótica, é tudo o que eu sou, sem de fato ser).
Aceite o convite do padre. Produzir intelectualmente é tão vital quanto o milho e a mandioca, além do que essas pessoas precisam saber disso também.
Já sinto saudades.
Cheiro grande.
Eu não consigo mais fugir do dióxido de carbono, definitivamente. E acho mesmo que é disso que vou morrer, essa minha urbanicidade. Fumantes compulsivos, insones não combinam muito com pássaros e flores, sinto como se tivesse nascido do concreto, do cinza, do asfalto, filha dos prédios e do caos. Tenho desejos de uma velhice mais bucólica, mas ainda têm que acontecer milhões de desprendimentos, a morte de algumas paixões (pela noite, pela morte de todos os dias, pelo barulho, pelos movimentos acadêmicos...). Como viver sem a produção intelectual e sem a pressão? Rs. Sinto me fazendo uma apologia à angústia da contemporaneidade, mas é só um pouco de verdade, entre tantas mentiras que contamos e nas quais fingimos acreditar.
Por causa dessa dualidade, verdade - mentira que é tão complicado (sempre) te escrever. Por que mentir para ti seria uma tentativa de me enganar e eu não suporto essa idéia. Frente a ti não nada há além de uma mulher, não posso montar personagens, nem estórias, nem cores, nem fadas. Não há lúdico (ou tudo é tão fantasioso que na minha loucura psicótica, é tudo o que eu sou, sem de fato ser).
Aceite o convite do padre. Produzir intelectualmente é tão vital quanto o milho e a mandioca, além do que essas pessoas precisam saber disso também.
Já sinto saudades.
Cheiro grande.
7.3.06
Querida M.J.,
tudo bem? Finalmente consegui um tempo pra poder escrever para os amigos e familiares. Estou morando no interior do Pará, num pequeno município com pouco mais de seiscentos habitantes. Cheguei aqui há duas semanas e já encontrei muito trabalho pra fazer. Estou trabalhando na roça. Isso mesmo! Estou calejando as mãos em troca de moradia e alimentação. Acordo às quatro da manhã e saio, com alguns companheiros, carregando ferramentas até o terreno onde cultivamos milho, feijão e mandioca. É um trabalho duro que eu não estava acostumado a fazer, mas, de certa forma, é gratificante. Além disso, ontem um padre local me pediu ajuda na alfabetização da população daqui. Não sei se vou poder ajudá-lo, há muito trabalho na roça.
E você, como está? Espero que esteja tranquila. Escreva-me contando as novidades daí. Em alguns dias, entrarei em contato novamente. Já estou com muita saudade de todos.
Abraço.
E você, como está? Espero que esteja tranquila. Escreva-me contando as novidades daí. Em alguns dias, entrarei em contato novamente. Já estou com muita saudade de todos.
Abraço.
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