29.7.09

Querido,

quero que me desculpe, se demoro a responder suas cartas. Tenho me sentido cansada. Reconheço com felicidade sua boa vontade, seu ânimo, mas temo que não esteja a par dos últimos acontecimentos.
Sei de minha dramaticidade e já debatemos, sim, por horas acerca de meu desejo obscuro de morrer de maneira gloriosa. Essa não é uma delas. Já faz alguns meses que não nos falamos, portanto não é de se estranhar seu desconhecimento. Querido, foi descoberta em mim uma síndrome raríssima, cujo nome é tão complexo que não me ocuparei em escrevê lo por que não faz a menor diferença. Segundo os médicos, ela não necessariamente me matará, mas venho sendo submetida a alguns procedimentos: exames, coletas, experiências... Algo me diz que eles, os cientistas, médicos e especialistas estão completamente perdidos. Não sabem, em absoluto, o que estão fazendo.
Cá do lado das cobaias, tenho me sentido tranquila. Embora, vez por outra, alguém adentre o quarto com olhares de despedida e eu mesma pense sobre a morte diariamente. Não quero ter medo, nem me arrepender, nem rezar. De alguma maneira, algo me certifica de que não será dessa vez. Lembra de quando me acidentei no carro? Bêbada e louca, quem me aconselharia a dirigir? Apesar da quinzena em coma, saí ilesa. Naquela ocasião eu também me sentia intuitivamente segura... Mas há sempre o encontro daquilo que sentimos com aquilo que queremos sentir, então prefiro me abster de opiniões definitivas, assim como os médicos.
Tenho sonhado muito, todos os dias, em diferentes momentos. Chego a crer que venho sonhando acordada. Podem ser alucinações... São sempre sonhos claros, vivos, deliciosos... Dias de sol, voando por sobre o mar. Sonhei, certa vez com você me fazendo carinho nos cabelos e sorrindo, dizendo que seria pai e que seria lindo.
Querido, é preciso envergar para não quebrar.
Amanhã irei à praia, vai ser lindo.

Beijos de saudade.

22.7.09

Querida M.,

Que baita susto eu tive quando li sua carta! Confesso que ainda estou sem entender muito bem o que aconteceu... morrer?! Por quê?! Depois de tanto tempo sem notícias suas, sou pego de surpresa por linhas tão tristes e amarguradas. Bem sei que você sempre teve épocas melancólicas, mas sempre percebi isso como um romantismo bastante peculiar que você teimava em esconder. Mas isso que você me escreveu já é demais... Por favor, não me venha com conformismos diante da sua condição! Matar-se resolveria o quê? As dores, a gente aprende a conviver com elas, por mais difícil que seja. Reage, criatura, cria coragem e fé pra mudar! Muda sua atitude para que as coisas aconteçam e você possa se eternizar. Não é só o mar que é eterno. Nós também nos eternizamos quando deixamos e recebemos um tanto nos encontros da vida. Nós nos eternizamos nos outros. E isso não é apego à espécie, é a vida. O que seria do mar se não fossem os rios, as chuvas, o calor? Morrer é natural. Matar-se é se limitar. É se limitar ao que conhece, ao que tem medo. Não fale mais isso nem por brincadeira. Você também sabe o quanto me faria mal a sua ausência. Dê-me detalhes para que eu possa lhe visitar e acabar com essa saudade que sinto.

Beijos carinhosos.

15.7.09

M.P.,

Esta foi uma noite importante. Quase me entreguei às afecções que me tomam. Por isso, escrevo. Meu corpo tem, aos poucos, denunciado seu padecimento e me entedia pensar nos tratamentos e no vocabulário rebuscado e vazio da Medicina. Meus joelhos ainda dóem, sinto a pressão craniana aumentar. Não é fantástico?
Eu vou morrer. Assim como esse quarto, as ruas, os flamboyantts, os carros, as falésias, tudo há de se dissipar, envelhecer, deteriorar. Menos o mar. Em tempos de mais saúde, punha me frente ao mar e imaginava que ele sim seria nosso ancestral legítimo. Só o mar é eterno. Quero voltar pra casa e tomar um banho em águas salinas. Voltar pra casa.
Pra quê a dor? Eu penso... E me nego a dotar explicações vagas, tenebrosas e cristãs. Esse é, enfim, o preço que preciso pagar, em vida, por essa mesma vida que se finda? Eu teria sido ainda mais pagã, se quer saber. Me queixo, unicamente, de não ter ido mais longe, enlouquecido mais, amado mais homens. Afinal, meu maior medo, a velhice, se extingue nesta cama.
Ontem, enquanto a enfermeira reposicionava os travesseiros e eu resmungava incompreensivelmente, pensei: Por que não? Por que não morrer? Qual é o problema? Temos milhões de pessoas em todo o mundo, uma superpopulação que se divide entre os consumistas e os miseráveis. Eu deveria mesmo passar por isso com coragem e acreditar que estou vagando espaço precioso no mundo. Eu me mataria, se conseguisse me levantar. O melhor analgésico, o melhor. Ridículo esse apego animalesco de preservação da espécie.
Preciso findar essa carta aqui. Hora da medicação.
Muita saudade, querido.

M.

13.7.09

retorno...

Em tom de "A volta dos que não foram", retomo esse espaço.