M.P.,
Quando me contou que iria morar numa comunidade temi que se decepcionasse. Acreditar na humanidade e tentar transformá la não significa ignorar os aspectos tenebrosos de nossa espécie. Essa concepção romântica de que somos seres evoluídos, íntegros sempre me coloca numa posição incômoda. Pela paz interior e inabalável seria preciso ser um heremita. Não quero que volte, que abandone suas metas, mas pense no que lhe digo. Uma comunidade, para viver em paz, tem que ter o sentimento comum de construção e não as pernas abertas para a "bondade", "gerenosidade". Desconsiderar as falhas ou bater cabeça na incompreensão de suas causas é perda de tempo. É preciso ser estratégico, ser líder, organizar as pessoas em torno do ganho, da sustentação. O que nada tem a ver com os déspotas.
Particularmente, compartilho com Capote o encantamento acerca da possibilidade de se ser miserável e cruel. Os animais não são piedosos uns com os outros, não sentem culpa. Eu seria feliz, se assim fosse. Me entedia profundamente esse pensamento estatunidense ridículo de que sempre haverão os dignos e os maus e que, em função de defender a liberdade, vamos trucidar os maus por que somos bons. Nós todos somos um sistema complexo, qualquer um é capaz de matar, de arrancar os olhos de alguém se preciso for. Portanto, meu querido, não apóio sua viagem para me ver, há muito trabalho onde você está.
Além do mais, não quero que me veja, aliás, o proíbo de me ver. Estou melhorando, próxima semana irei para casa, mas ainda estou magra e frágil e você sabe que não suporto o olhar de piedade que inevitavelmente as pessoas lançam sobre os moribundos. Por sinal, eu não estou moribunda. Rs. O médico disse que meu corpo vem reagindo muito bem e que essas coisas são assim mesmo.
Minha mãe, aquela senhorinha... Paga um casal de enfermeiros que eu mesma selecionei. Belíssimos. Veja bem que não tenho condições de seduzir nem um cachorrinho, quem dirá jovens "fisicamente bem sucedidos", mas não acho que faça mal algum olhar para eles. Só às vezes peço que ele se encarregue do banho. Que divetido! Eu seria Marquês de Sade.
Existe um filme francês que se chama "O escafandro e a borboleta". Líndo, de uma delicadeza incrível. Revi esses dias e chorei do primeiro segundo ao útimo. Temi... É o pesadelo de todos que se consideram pensantes. Estar preso dentro do próprio corpo débil e inútil.
Preciso ir, meu casal predileto de enfermeiros me chama.
Me escreva tão logo possa, mas não se force... É melhor quando natural...
Amo você, meu amigo querido.
19.8.09
13.8.09
M.,
sei que você é dramática, sim. Sei que já discutimos isso, mas a cada carta sua que recebo fico mais preocupado. Dói-me saber que você está doente e eu não posso estar aí ao seu lado lhe ajudando, cuidando. Que síndrome é esta, meu Deus? Como está a sua mãe, ela já está sabendo disso? Estou providenciando uma visita à você, creio que em alguns dias poderia sair daqui e reencontrá-la. Faz tanto tempo que não nos vemos... sinto muita saudades. Queria que a ocasião fosse outra, mais festiva. Mas será divertido pelo menos jogar conversa fora e, quem sabe, ir à praia. Ainda ontem revi o álbum da nossa turma. Tão engraçado ver todos com cara de despreocupados, sem medo do que haveria de vir. Você, como sempre, com cara de "tô nem aí". Sinto muita saudade de todos. Sinto-me muito solitário aqui e penso freqüentemente em mudar de cidade e de vida. Os planos que tracei para criar uma comunidade livre não estão dando certo. Mas como você disse, "é preciso envergar para não quebrar". Dê-me notícias de como anda o tratamento. Em breve nos veremos.
Beijos,
M.P.
sei que você é dramática, sim. Sei que já discutimos isso, mas a cada carta sua que recebo fico mais preocupado. Dói-me saber que você está doente e eu não posso estar aí ao seu lado lhe ajudando, cuidando. Que síndrome é esta, meu Deus? Como está a sua mãe, ela já está sabendo disso? Estou providenciando uma visita à você, creio que em alguns dias poderia sair daqui e reencontrá-la. Faz tanto tempo que não nos vemos... sinto muita saudades. Queria que a ocasião fosse outra, mais festiva. Mas será divertido pelo menos jogar conversa fora e, quem sabe, ir à praia. Ainda ontem revi o álbum da nossa turma. Tão engraçado ver todos com cara de despreocupados, sem medo do que haveria de vir. Você, como sempre, com cara de "tô nem aí". Sinto muita saudade de todos. Sinto-me muito solitário aqui e penso freqüentemente em mudar de cidade e de vida. Os planos que tracei para criar uma comunidade livre não estão dando certo. Mas como você disse, "é preciso envergar para não quebrar". Dê-me notícias de como anda o tratamento. Em breve nos veremos.
Beijos,
M.P.
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